Não era fácil passar por uma tremenda paixão sem ser correspondida. Telefonemas, coincidências planejadas de encontros e a fingida surpresa: "Você por aqui?", visitas ao pai doente, nada surtia efeito. E as lamúrias vinham, as lágrimas eram copiosas, enquanto conversávamos naquele velho Volks 70. E por que não dizer, a raiva incontida pela mulher que merecia a atenção dele, o seu tempo, o seu amor. Ou interesse? Era isso que a fazia triste. "A outra" era poderosa. Tinha o pai rico, além do mais o charme dos olhos puxados de japonesa bonita.
Eu sofria com ela, mas tinha o receio de dizer-lhe que não valia a pena, deixá-lo para lá, com aquele ar de superioridade, quando estava perto dela. Foram anos assim, nesse sofrimento, naquela paixão que se aguçava à medida que a indiferença dele aumentava. Ela era inteligente, devia se valorizar, fazer desabrochar a beleza que tinha, mas que se escondia na simplicidade da roupa, na contenção dos gestos, na timidez da insegurança. Eram coisas que,hoje penso, deveria ter-lhe dito, mas eu também tinha o constrangimento das pessoas também tímidas e inseguras, que buscava, como ela, alguém para uma companhia, um namoro, talvez um amor. Sem dúvida, éramos, as duas, carentes do afeto masculino.
E à noite, depois das aulas, rodávamos, uma vez no meu carro, outra no carro dela, as ruas já desertas da cidade. Falávamos do trabalho, dos alunos, dos problemas familiares e caíamos, infalivelmente, nos assuntos amorosos. Procurávamos bares ainda abertos, para tomar um chope, comer alguma coisa, prosear e, sem dúvida, procurar entre os notívagos, alguém disponível para conversarmos, conhecermos, e, quem sabe até iniciar um romance. Mas como era difícil para nós, mulheres com o jeito de sérias, compenetradas e bem comportadas. Na verdade, acho que metíamos medo ao primeiro olhar; dávamos a impressão de mulheres inabordáveis, as duas ali, parecendo auto-suficientes e bem resolvidas. Hoje penso assim, mas, na época, saíamos desses lugares bem desanimadas, nos sentindo rejeitadas e incapazes.
Uma noite, depois do trabalho, percorremos as ruas centrais da cidade à procura de algum restaurante aberto. Os costumeiros já tinham fechado, mas insistimos na procura . Encontramos um, que dificilmente frequentávamos; não era das melhores, mas resolvemos entrar, movidas pela solidão que apertava àquela hora adiantada,os bares fechados, ninguém pelas ruas, só o vento e o frio a nos fazerem companhia. Não me recordo muito bem, mas devia ter alguém cantando uns boleros antigos, poucos fregueses bebendo, solitários nas mesas vazias. O cenário era um tanto decadente, os garçons já meio sonolentos, incomodados com a chegada de fregueses retardatários.
Procuramos uma mesa e pedimos batida de maracujá. Com pinga. Combinava com o ambiente, não muito familiar. Queríamos passar a impressão de mulheres mais atrevidas e liberadas. (Não podemos perder de vista que estávamos nos anos 70). Vieram as batidas, e os frequentadores passaram a nos olhar com mais interesse. E os garçons, como estátuas, braços para trás, a nos observar também, de uma certa distância. O álcool começou a fazer efeito, já ríamos descontraídas, leves, achando a vida bela e a felicidade acessível, por que não? A questão é que à medida que bebíamos, mais sentíamos o efeito do álcool. Comentamos que aquilo estava forte demais, mas já havíamos quase que esgotado os copos. A preocupação agora era: como sair dali andando, se já sentíamos a cabeça rodar, as pernas bambas, sem força? E a vergonha, diante das poucas pessoas que estavam a nos observar, como alvo principal? Pagamos, criamos coragem, e, de braços dados, segurando o riso, saímos. Tinha um corredor longo até chegar à rua e, já longe da vista dos fregueses e garçons, despencamos a rir e a andar, meio capengas até o carro. Até hoje tenho minhas dúvidas sobre o caso. Acho que os garçons exageraram no álcool para se divertir conosco ou para demonstrarem um certo preconceito contra aquelas duas mulheres inconvenientes e petulantes, que chegaram tarde e ainda pediram batida de maracujá com pinga. Era muita ousadia.
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