quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Terezinha


Não sei se foi um ato de sadismo. A verdade é que fiz Terezinha chorar. Ainda revejo o lugar. O pátio da escola. Ela era um tanto alta para a idade, ou eu é que era baixa. Cabelos enrolados e pretos. Era até bonitinha. Tinha uma leve dificuldade no articular as palavras. Fiz amizade com ela. Isso era um tanto inexplicável, num tempo em que as pessoas traziam em si a marca sócio-econômica. O uniforme era o mesmo, mas o jeito, os gestos, a pele, um não-sei-quê,traíam a origem. Ela tinha aquele não-sei-quê revelador de uma classe social , como se dizia na época, melhor. E ficamos próximas, apesar das diferenças.
Naquela época, eu tinha descoberto a biblioteca da escola e era uma devoradora de livros. Tinha acabado de ler "Éramos Seis", e ficara tocada pelo livro, principalmente pelo personagem "Carlos", que no livro morre muito jovem, o que é narrado de maneira comovente pela mãe, a narradora da história. Queria, de alguma maneira, compartilhar aquele sentimento mesclado de prazer pelo livro e de tristeza pela morte do personagem. Resolvi contar a história para essa colega. Acho que coloquei em minhas palavras toda a comoção que havia experimentado com a história, e muito mais ênfase na cena da morte do personagem, que me havia conquistado durante a leitura. Incipiente leitora, me envolvia demais com as histórias e ficava dias sentindo repercutir em mim os dramas dos personagens por quem ficava apaixonada. Não é que empolgada pela minha própria narrativa, só fui perceber que minha colega estava chorando, quando a vi soluçando alto?  Confesso que fiquei preocupada e arrependida de ter provocado nela emoção tão forte e fiquei por um momento calada, pensando em como reparar aquele choro que provoquei, não sei se de propósito ou não. Hoje já não sei. O sino tocou, fomos para a aula. Na classe, vez ou outra olhava para ela para ver se já havia recuperado da minha investida um tanto cruel. Ela já ria.
Dias depois, vi entre seu material, o livro. Ela estava lendo. Naquele momento fiquei orgulhosa de mim. Não sei se ela se tornou leitora. A avaliação que fiz naquele tempo é que tinha conquistado alguém para os livros. Nunca mais soube dela, não sei se ela se lembra de mim. Talvez sim, se levarmos em consideração o fato de que nunca esquecemos daquilo que nos toca a sensibilidade. E eu naquele dia fiz Terezinha chorar.