A janela do quarto dava para a rua. Ela tinha que dormir cedo. Os pais se recolhiam metodicamente após o jantar, ainda fazia um pouco de tricô, pois tinha prazo para desenrolar os novelos de lã de Dona Eugênia. Um pouco do romance que estava lendo e ia para o quarto. Não podia ficar até tarde; o pai implicava com a conta da luz.
E através da janela ouvia o casal que passava para cima e para baixo,conversando. Já reconhecia pela voz o par amoroso; há um bom tempo eles namoravam naquela rua. Era um tempo em que os namoros eram passeios de mãos dadas, com uma certa distãncia a separar o casal. Com certeza a moça devia morar pelos arredores, também. Não se podia ir muito longe. Elvira já sabia disso de cor, a vigilãncia sobre as moças era cerrada. Por isso estava ali, em pleno domingo, dormindo cedo, nada de cinema nem o "footing" na avenida. Isso era permitido só de vez em quando, acompanhada da irmã, com o irmão rondando por perto, zelador implacável da boa moral e comparsa declarado do pai a quem fazia o relatório completo das saídas das irmãs. Por isso nem olhavam para os lados, temendo a aproximação masculina. Isso daria uma grande confusão em casa, e o pai não era para brincadeiras. Namoro só em casa, assim mesmo se aprovasse o candidato em vários requisitos: raça, posses, profissão, caráter... Difícil encontrar a pessoa que ele aprovasse. Já tivera uma experiência dolorosa quando ainda mais jovem, ao se apaixonar por um vizinho. O pai proibiu o relacionamento; ela chorou, sofreu. Com o tempo a tristeza foi passando, mas, na verdade, ainda tinha a sensação de felicidade perdida.
nessa noite em que ouvia os passos e os sons da conversa do casal, percebeu uma certa diferença no tom de voz dos dos namorados. Iam e vinham, como sempre, mas alguma coisa incomum devia estar acontecendo. Um certo nervosismo, uma fala um tanto chorosa da moça. Elvira, em sua cama, atenta aos sons que há meses lhe eram familiares, vislumbrou ali um drama acontecendo. DE repente estacaram bem embaixo de sua janela. Nesse momento deu para ouvir com mais nitidez o que se passava: o rapaz estava rompendo com a moça. Ela, voz trêmula, parecia não se conformar com o fato. Dizia palavras de convencimento, alegava os tempos felizes; tomada pela emoção, deixando de lado seus pudores, quase que implorava ao rapaz que não a abandonasse. Elvira sentiu a tristeza da moça e condoeu-se. Num último apelo a moça disse, já chorando: "Oito meses não são oito dias!" O rapaz nada disse. O silêncio foi total. E Elvira ouviu-os se afastarem, passos desanimados, quase que arrastados, soando em seus ouvidos.
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