quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Um piano, uma banheira, uma voz.

Um piano, uma banheira, uma voz.
Algumas coisa me encantavam naquela casa vizinha. Havia uma moça que cantava à noite, enquanto lavávamos a louça. A voz era linda. Ficava ali a ouvi-la. Depois ela ia para o piano e seus toques enchiam a   noite de beleza. A voz e o piano elevavam aquela criatura a um nível superior. Sentia-a como um ser intocável, com algo de divino. Nós éramos prosaicos demais; me sentia vulgar diante daquele encantamento que desembocava na cozinha mambembe de minha casa.  A casa vizinha era diferente; tinha classe e algo de etéreo flutuando no espaço. E de longe ficávamos embebidos com manifestações tão superiores. Pensávamos assim naquela época. Era a banheira também que percebíamos num relance através da porta entreaberta do banheiro. Coisa chique. Talvez por isso, difícil era nos aproximar daquela criatura de qualidades tão raras. Percebia nela também aquele ar nobre que não se misturava com as meninas que havia por ali, carentes de dons e meios privilegiados. Enquanto vivemos na mesma rua, difíceis os momentos em que se estabelecia um relacionamento olho no olho altura com altura. Havia a voz, o piano, a banheira a nos separar.

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